domingo, 28 de maio de 2017

O que é um homem sem memória?

Pessoal hoje será um texto enviando por uma colaboradora muito especial que estuda e pesquisa na área da neurociência. No final eu a apresento. Leiam que o texto está simplesmente incrível!

Imagine que você está em casa e resolve comprar pão francês para o café da manhã, como faz rotineiramente. Chegando ao mercado, apesar do esforço, não se recorda muito bem, “O que era pra comprar mesmo?”. Liga pra casa e seu familiar te responde sobre os pães. Pede os pães, paga e sai do mercado. “E agora, como era o caminho? Direita ou esquerda?”. Imagine ir perdendo sua memória aos poucos, lenta e dolorosamente, não se lembrando mais do que falou ou perguntou a alguns minutos, se comeu, se tomou banho, com alguns raros momentos de lucidez. Bem vindo à vida do paciente com Alzheimer.

Segundo Carlos Moreno, ator, no prefácio do livro Ausência: “Para o doente, a perda gradual da memória é o apagar do mais essencial que possuímos, do que nos define e nos diferencia daquilo que faz cada um de nós, humanos: nossa identidade. Para o familiar, é a dor de um luto prolongado, pois, embora esteja vivo, aquele à nossa frente vai, pouco a pouco, deixando de ser quem um dia conhecemos e amamos.”.

Cena do filme Para Sempre Alice (2014)

Por esse, e por tantos outros motivos, resolvi estudar a Doença de Alzheimer.
A Doença de Alzheimer (DA) é uma doença neurodegenerativa que afeta grande parte da população idosa mundial. Ela é marcada pela perda de memória recente, e, com o seu avanço, vai levando a um intenso declínio cognitivo. Além disso, o paciente também pode apresentar sintomas tais como agitação, hiperatividade, ansiedade, perda de peso, depressão, distúrbios no ciclo circadiano e no sono, podendo inclusive levar a morte.

Quando soube, em 1995, que estava com a Doença de Alzheimer, o pintor americano William Utermohlen começou a fazer autorretratos, mostrando a evolução da doença e o grande declínio cognitivo no qual foi acometido.[1]

              
            Ela pode ser dividida em dois tipos: a genética, que acomete uma pequena parcela da população (menos de 5% dos casos, sendo sua incidência em adultos mais jovens – até uns 60 anos), e, como seu nome já indica, a causa é puramente genética; é a doença que vemos representada no filme “Para Sempre Alice” – que, aliás, recomendo fortemente -, e a esporádica, mais comum (cerca de 95% dos casos), multifatorial, porém com causa ainda desconhecida.
            Em ambos os casos, apresenta dois marcadores histopatológicos no sistema nervoso central: as placas extracelulares do peptídeo beta-amilóide e os emaranhados neurofibrilares da proteína Tau hiperfosforilada (intracelular). A proteína Tau se liga ao microtúbulo, promovendo sua estabilização, que, por sua vez, compõe o citoesqueleto do neurônio. No Alzheimer, ocorre o processo de fosforilação da Tau, acabando por degradar o microtúbulo, não permitindo o transporte de substâncias entre um neurônio e outro e impedindo a comunicação entre eles, levando a morte celular.

Ilustração do que ocorre no microtúbulo devido a Tau em um neurônio normal versus
 um neurônio acometido pelo Alzheimer.

            A vida no laboratório

Assim que decidi que queria trabalhar com pesquisa a respeito do Alzheimer, comecei a procurar, dentro da Universidade, quais professores tinham sua linha de pesquisa voltada para essa área. Assim, não foi difícil encontrar meu atual orientador e, após algumas reuniões, comecei, em 2015, a fazer parte do Laboratório de Morfofisiologia. 
O começo é sempre um período de adaptação, no qual você conhece e experimenta a rotina do laboratório e decide, com a ajuda do seu professor, qual será o tema do seu trabalho, dentro de todas as possibilidades em que ele trabalha. No meu caso, tinha duas possibilidades: trabalhar com células ou com animais. Então, após certo tempo convivendo lá dentro, meu professor teve uma ideia de um determinado tema, seguindo a linha de pesquisa em que ele trabalha. Assim, depois de escrevermos o projeto e de muuuuito treino, finalmente, em abril de 2016, dei início ao projeto: “Efeito da temperatura em modelo animal para a Doença de Alzheimer esporádica”.
Sim, você não leu errado. Minha pesquisa é com animais. Por um lado, isso é incrível, pois os animais conseguem mimetizar os sintomas da Doença e nos fazem entender pelo menos um pouco de como o Alzheimer afeta o cérebro das pessoas e como o organismo vai reagindo a doença. Por outro lado, trabalhar com animais gera um desconforto a muitas pessoas, mas tenha em mente que todos os experimentos passam pela aprovação de um comitê de ética e existe uma série de medidas que regem o uso de animais em laboratório.
Nem sempre sua rotina científica será um mar de flores. Os experimentos podem não dar certo, os equipamentos não funcionarem adequadamente bem no dia que você iria usar e os animais resolvem não colaborar durante o teste. Mas, quando você começa a analisar seus dados, vê que eles estão se transformando em resultado, e que podem te levar a algo interessante, isso não tem preço! É uma felicidade que não tem tamanho e, só a vida acadêmica pode te proporcionar! 
Então, por mais difícil e complicada que essa caminhada pareça e, se a ciência e a pesquisa estão nos seus objetivos de vida, não desista do seu sonho! Pense que, com o seu trabalho você pode levar informação a tantas pessoas e ajudar muitas outras. Que você nunca perca as motivações para continuar e que tenha muito sucesso na carreira em que decidir!
 
Apresentação Colaboradora

Talita Senra

Estudante do Bacharelado em

Ciência & Tecnologia e Neurociência

Universidade Federal do ABC (UFABC)

Contato: talita_tmsm@hotmail.com
 
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Referência Bibliográfica e links interessantes:

[1] http://www.nytimes.com/2006/10/24/health/24alzh.html?_r=3& // História do  William Utermohlen
- Filme: Para Sempre Alice (2014)
- Livro: Ausência. Flavia Cristina Simonelli. Novo Século Editora.
- Artigos: 
Carrettiero, D. C., Santiago, F. E., Motzko-Soares, A. C. P., & Almeida, M. C. (2015). Temperature and toxic Tau in Alzheimer's disease: new insights. Temperature, 2(4), 491-498.
de Paula, C. A. D., Santiago, F. E., de Oliveira, A. S. A., Oliveira, F. A., Almeida, M. C., & Carrettiero, D. C. (2016). The co-chaperone BAG2 mediates cold-induced accumulation of phosphorylated tau in SH-SY5Y Cells. Cellular and molecular neurobiology, 36(4), 593-602.

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